25 agosto 2007

Mariana Avena e o Raíces de América

São Sebastião, idos de 1980. No auge dos 17 anos já surgiam traços do "modus vivendi" ermitão: ao lado das baladas juvenis, da rataria de praia, dos primeiros pileques e primeiras paixões, os momentos de introspecção eram no meu pequeno quarto, onde imperava o system Gradiente. Top dos aparelhos de som da época, seu áudio era hi-fi, tinha AM e FM e era capaz de gravar fitas-cassete direto dos LPs ou do rádio!... Uma maravilha da tecnologia, sem dúvida, paga em suaves - mas suadas - prestações mensais com meu salário de boy do Banco do Brasil.

Ali, invariavelmente, fechava-me durantes horas ouvindo música direto: FMs, cassetes e LPs que comprava ou, na maioria das vezes, emprestava dos amigos forasteiros colegas do BB.

Dos 15 aos 22, naquelas quatro paredes, ouvi e assimilei muita coisa da chamada "MPB de qualidade" que consegui ter acesso à época, obviamente sem internet e morando numa pequena cidade do litoral paulista: os Clubes da Esquina, mais Minas & Geraes, do Milton; Elomar, João Gilberto, Elis, Chico; as coleções da Abril que vinham com livretos; Fagner, Alceu e Djavan começando; Vinícius; o inevitável Roberto Carlos - enfim, esses caras todos.

Mas foi naquele 1980 que caiu em minhas mãos, não me lembro se comprado ou emprestado, um LP diferente. "Música latina", que eu desconhecia: Violeta Parra, Atahualpa Yupanqui, poemas de Pablo Neruda. Lançado pelo selo Eldorado, o disco era uma obra coletiva de nove músicos de diferentes nacionalidades do nosso continente, que adotaram o imponente nome de Raíces de América.

Grandes músicos, arranjos belíssimos - muito bem elaborados e longe do folclorismo tradicional -, e uma densidade impressionante.

Como "plus", poemas declamados entre as faixas pela saudosa atriz Isabel Ribeiro, com emoção que arrepiava. Em resumo, um formidável painel sonoro e poético da América Latina que se encaixava perfeitamente naqueles tempos de fim da ditadura.


Foi um sucesso estrondoso, o Raíces estourou no Brasil. Cheguei a ir a um show deles na meca dos espetáculo de então, quando não existiam as grandes casas de hoje: Palácio das Convenções do Anhembi, lotado por milhares de fãs.

De lá pra cá o grupo se manteve, mas com muitas modificações. Lançou, pelo que pude apurar, mais dez discos e ainda hoje faz shows pelo Brasil. Da formação inicial, restaram apenas seu líder, o baixista argentino Willy Verdaguer, e o baterista chileno Oscar Segovia. Estão aí, na batalha.

Pois é, mas o que ficou mesmo, pra mim foi aquele primeiro e espetacular LP, que ouvi milhares de vezes. E, dentre as várias vozes que ali apareciam, o casal de solistas foi fundamental para firmar a sonoridade do grupo.

Um deles era outro argentino, Tony Osanah, figura mais conhecida por suas incursões roqueiras dos anos 60 (era do jovem-guardista Beat Boys, junto com Willy) e 70 - e que hoje mora na Alemanha.

A cantora chamava-se Mariana Avena - também argentina -, que foi "importada" na flor da sua juventude para ser a cantora do grupo.

E ela brilhou: seu timbre e sua interpretação eram tão bonitos e marcantes que nunca mais saíram da minha "memoriafetiva" e da de muita gente (não é, mano?...).

Com o bonde da minha vida tomando outros caminhos, depois que me mudei pra São Paulo em 1985 perdi o contato com o trabalho do grupo - e com ela. Mesmo depois atuando no meio musical e sendo amigo da atual cantora do Raíces, Míriam Miráh (que fez show no Villaggio semana passada), e ainda tendo lançado pela Lua o disco-solo do seu atual solista, o chileno Pedro La Colina, meus rumos musicais seguiram noutro sentido.

Passaram-se mais de 26 anos desde o show do Anhembi, onde foi a última vez que vi Mariana. Lembro-me que alguns anos depois assisti o Raíces em Caraguatatuba e ela já não estava.

Pois bem: há algumas semanas, recebi um recado no meu Orkut. De quem? Exatamente: Mariana Avena.

Ali, ela dizia estar radicada aqui na Capital há alguns anos, depois de quase uma década morando em Buenos Aires e de ter girado o mundo em carreira solo num bem sucedido projeto de tangos. Que estava retomando seu trabalho de música latina, inclusive gravando um novo CD. Mais: tendo se decidido, bastou botar o bloco na rua e, em três meses, já tinha quase 400 membros em sua comunidade, a maioria deles saudosos dos tempos de Raíces.

Não deu outra: marcamos imediatamente sua reestréia no Villaggio para o dia 20 de outubro, um sábado, o que me deixou imensamente feliz.

Desde então, vimos nos falamos por e-mail e, ontem, ela e o marido Alberto apareceram de surpresa para conhecer a casa e a mim pessoalmente. A empatia foi imediata, realmente uma grande alegria recordar aqueles tempos e fazer planos para o futuro.

De minha parte, farei de tudo para que essa retomada seja vitoriosa. Ídolos da juventude são sagrados.

Mariana Avena, seja muito bem-vinda!

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